Fabio Pando | CEO da Horizon Consulting.
O mundo corporativo em qualquer organização deste planeta, tem suas formas de acompanhamento e mensuração de resultados. Repleto de siglas e nomes diferentes, tais como CAGR, Ebitda, margem de contribuição, ponto de equilíbrio, ROI, ROIC, market share, margem líquida, liquidez corrente, índice de cobertura de juros entre inúmeros outros.
Todos importantes e que ajudam os executivos a verificar seus esforços e orientar suas equipes para a entrega dos resultados esperados.
Porém, todos estes indicadores consideram o mesmo prazo, que é o que chamo de período de plantão dos executivos, ou seja, o tempo de avaliação que uma equipe executiva tem durante a sua gestão à frente do negócio.
Ocorre que para determinados objetivos empresariais é necessário um tempo que extrapola o período de trabalho de uma equipe executiva.
Se você nunca pensou a respeito disso, saiba que não está só. A pressão por resultados de curto prazo, o que é normal, leva toda equipe executiva a se preocupar somente com a entrega próxima, dado que a mesma foi combinada no fim do ano fiscal imediatamente anterior.
Alguns podem dizer que para lidar com este tipo de assunto, as empresas definem na sua essência de marca, conceitos de visão, missão e valores. O que ocorre na maioria das vezes é que isto não está funcionando como deveria, devido a principalmente o seguinte:
- A própria empresa que definiu tais conceitos, não tem ideia sobre como tirá-los do papel.
- Os conceitos são genéricos demais.
- Os temas ali tratados são etéreos e não são claros para todos.
- Quando são claros e a governança sobre os mesmos acontece, são questões corporativas mais distantes, e não do indivíduo que está a frente do negócio e tem autoridade para definir a agenda da empresa.
Quando entramos em uma empresa, não importa qual, recebemos ativos que foram construídos por uma ou mais gerações que nos antecederam. Considerando todos os problemas e oportunidades da época, nos deixaram algo que, agora temos que levar adiante. A esta herança, chamo de legado corporativo. Ou seja, todo o resultado da empresa que recebemos, com seus ativos e passivos, fruto do trabalho, esforço e suor de inúmeros desconhecidos que nos antecederam.
A pergunta que faço é: qual o legado que você deixará para a próxima geração que herdará a empresa, fruto de sua gestão como principal executivo à frente do negócio?
Estou convencido que todo o conselho de administração de qualquer empresa deveria considerar na avaliação de resultados da equipe executiva, além dos índices tradicionais mencionados no início deste artigo, aspectos intergeracionais, ou seja, indicadores que afetarão diferentes ciclos de diferentes gestões executivas.
Na Nova Zelândia, a ênfase nas crianças é tal que a primeira-ministra Jacinda Arden criou um cargo para si, de ministra para redução da pobreza infantil.
O país também acaba de criar o “orçamento de bem-estar”, focado no bem-estar intergeracional, diante do diagnóstico de que o orçamento tradicional tem prioridades de curto prazo. No orçamento alternativo, destacam-se gastos com sustentabilidade ambiental, transição tecnológica e investimento na primeira infância.
Na Coreia do Sul, houve uma grande discussão cívica sobre qual seria o caminho, estratégias, recursos e modelo de gestão sobre a educação nacional. Qualquer que fosse o partido que vencesse as eleições, teria de se comprometer com tais definições, independente de visão partidária ou ideologia. Eles entenderam que a educação é tipicamente uma questão intergeracional.
Quando um CEO e sua gestão entrarem e quando saírem da empresa, deveriam ser avaliados pelo conselho de acordo com os seguintes critérios, além dos tradicionais já utilizados:
- Valor de marca;
- Valor da ação;
- Índice de satisfação de clientes;
- Inovações desenvolvidas;
- Novos produtos e ou marcas e suas respectivas contribuições para a empresa;
- Desenvolvimento das equipes, medindo a contribuição de cada um dentro da empresa, de forma clara e precisa e não pela quantidade de treinamentos que a empresa oferece;
- Criação de valor, que leva em conta a capacidade de favorecer a competitividade da empresa após a saída da liderança atual.
- Ações específicas realizadas na empresa durante a gestão da equipe atual, que irão beneficiar a geração futura de colaboradores e clientes e não apenas os atuais.
- Índice de criação de ativos materiais e imateriais.
Para deixar mais claro, trago um exemplo deste conceito, que é o magazine Luiza.
Fundada em 1957 na cidade de Franca, sob a gestão de d. Luiza Helena Trajano, sobrinha da fundadora, a rede que começou com 1 loja, chamada A Cristaleira, alcançou mais de 1.000 lojas. Este foi o legado que o seu filho, Frederico Trajano recebeu quando assumiu o cargo de CEO, com o objetivo de digitalizar a rede. Com a digitalização, a empresa teve o melhor resultado de sua história, com um lucro líquido de R$ 389 milhões, um aumento de 300% comparado ao ano anterior de 2016. Suas vendas totalizam atualmente R$ 14,4 bilhões. Sua operação on-line ganhou 12 vezes o troféu Diamante no prêmio excelência em qualidade comércio eletrônico – B2C.
Ambos construíram ativos relevantes para a empresa e deixaram legados importantes para a próxima geração de executivos, que se beneficiarão deste patrimônio herdado, e que serão traduzidos em ganhos de competitividade e facilidade no atingimento de suas metas. Evidentemente que tudo o que é herdado consiste em aspectos positivos e negativos e tal legado deve ser analisado sob a perspectiva do saldo remanescente, que deve ser necessariamente mais positivo do que negativo, claro.
Uma pergunta que frequentemente faço aos CEOs de diferentes empresas, refere-se ao legado que deixarão na empresa, quando o seu período de plantão momentâneo se encerrar e uma nova geração chegar. A maioria entende e se preocupa com o tema, porém quase nenhum relata ter uma metodologia específica que trate do assunto de forma clara e precisa.
O CEO de qualquer empresa deve ter em mente que a sua posição está muito além da entrega dos resultados esperado pelos acionistas. Esta função traz em si a definição da agenda da empresa, do foco e para onde todos os colaboradores devem olhar. Ao trabalharem por objetivos que vão além dos relatórios financeiros, a empresa impactará não apenas as atuais e futuras gerações, mas também o reflexo de suas ações na sociedade. É dever do conselho de administração de qualquer empresa, que representa os acionistas, ter métodos de avaliação de construção de valor no tempo, para além do grupo de executivos que cuidam do dia a dia da empresa.
Passar um tempo em uma empresa e entregar todos os resultados financeiros esperados é importante, necessário e uma obrigação de uma equipe executiva, mas é muito pouco para quem tem a oportunidade e o privilégio de poder deixar uma marca relevante para as próximas gerações, que ainda nem pensam em trabalhar na empresa que atualmente você por acaso, esteja de plantão. O legado fará parte de sua história. É o que fica no tempo. A entrega dos resultados é o mínimo que se espera de uma equipe executiva. O legado é antes de tudo uma questão pessoal e que a vida nos cobra.