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Fabio Pando | CEO da Horizon Consulting.
É fato desde os primórdios que o ser humano não gosta de insegurança e incertezas. Em épocas complexas, onde o ninguém tinha certeza sobre o porvir, inúmeras pessoas se prontificaram a prever o futuro. Evidentemente, todas erraram pelo simples motivo de que o futuro é caprichoso e insiste em se desvendar apenas em seu tempo. Nem um segundo antes, seja para quem for não importando suas boas intenções.
Antes de você acreditar que eu seja um arauto do apocalipse, vamos aos fatos: O jornalista Wagner Barreira, que tem estudado a gripe espanhola desde 2017, quando começou a pesquisar a chegada da doença ao Brasil para compor seu romance "Demerara", nos conta que depois da gripe espanhola surgiu no Brasil o movimento tenentista, que reivindicava mais participação das classes médias urbanas, que desembocaria na Revolução de 30. Ocorreram saques e cemitérios 24h. Na Itália houve o nascimento do fascismo. Mas a sociedade, cem anos depois, é muito diferente daquela do início do século passado. Então, falamos de liberalidade de costumes, um certo empoderamento feminino e de soluções radicais na política, sinais que vão em direções opostas.
A pandemia atual do Covid 19 encontrou os países com níveis de endividamento gigantesco, e não apenas nos chamados países em desenvolvimento. O grande museu a céu aberto que é a Europa e que vive basicamente do turismo que foi ao chão desde o início das quarentenas. Para sobreviverem, estão pedindo empréstimos ao mercado. Como exemplo, a Espanha começou a pagar juros quatro vezes maior desde o início da crise. Portugal por três e Itália por dois. O Centro Nacional de Pesquisa Científica de Paris fez um cálculo assustador: se a Itália tomar emprestado 250 bilhões de Euros ao
ano, apenas o aumento de um ponto percentual do seu juro, representará um custo de 2,5 bilhões a mais, o que significa um terço de seus gastos anuais com a saúde.
A Grécia e Portugal que começavam a sair de uma recessão grave e estavam se recuperando com o turismo, voltaram a uma situação difícil novamente. Os Dinamarqueses reduziram o gasto com turismo e entretenimento em 80%!
A saída da quarentena não será decretada de uma vez. Ela será um processo em si. Não veremos a idílica situação onde as pessoas sairão às ruas todas ao mesmo tempo se abraçando em um congraçamento universal. Mesmo quando ela passar, os casos irão diminuir lentamente, ou seja, a contaminação continuará. O trágico exemplo da Itália nos mostra que após alcançar o pico das mortes de 900 por dia, hoje ela ainda convive com um pouco acima de 300, o que é muito ainda. Além disso continuaremos a ter que lidar com a incerteza, dado que pouco sabemos sobre a doença. Mesmo com a liberação lenta e gradual, não sabemos se o vírus sofrerá algum tipo de mutação e se teremos a volta do confinamento com um segundo pico de contágio. Provavelmente teremos que conviver com um libera-fecha por um bom tempo.
Na China onde tudo começou e hoje vive uma liberação da quarentena, a economia roda a 90%. Pode parecer pouco, mas longe disso. A locomoção de pessoas, incluindo metrô e voos domésticos teve redução de 30%, bem como a taxa de ocupação dos hotéis. Os restaurantes viram o movimento cair 40%. As pessoas têm medo do desemprego, que segundo dados extraoficiais, chega a 20% e o número de empresas que entraram em Recuperação Judicial vem aumentando. Caso a economia Norte Americana caia 10%, seria a maior queda desde a 2.a guerra mundial. A previsão é que o PIB caia mesmo, entre outros aspectos, porque é muito difícil determinar o preço do risco neste momento, o que levará a desaceleração da recuperação no mercado de ações.
Neste cenário incerto, considerando o que ocorreu ao longo da história, veremos uma recessão longa e profunda, o que poderá fomentar a raiva dos cidadãos com seus governos. Sistemas de saúde ineficientes ou inexistentes, levará as pessoas a pressionarem por reformas mais profundas, principalmente quando perceberem que como sempre, o maior peso do fardo foi colocado nos ombros dos mais pobres e a onda de desemprego bate mais forte para eles.
Esta pressão por mudanças, poderá levar ao crescimento de governos populistas, que tem como uma de suas características a visão de curto prazo e o aumento da interferência governamental na economia e na liberdade dos cidadãos. Uma economia fraca em geral é palco perfeito para alimentar o protecionismo, a xenofobia, a desinformação e a ignorância, como não vemos há muito tempo. Nada garante que tais governos não comecem a gastar sem responsabilidade com as contas públicas, com o discurso de salvar vidas, o que pode agravar ainda mais a combalida economia e as finanças públicas.
Os problemas vão além dos orçamentos governamentais. Em algumas cidades do México os enfermeiros estão indo trabalhar sem seus uniformes, dado que estão sendo agredidos ou expulsos dos ônibus por acreditarem que os mesmos estão espalhando o vírus. O mesmo acontece nas Filipinas, onde pessoas atacaram um enfermeiro com água sanitária deixando-o cego. Para evitar mais ataques, o presidente filipino Rodrigo
Duterte avisou que ordenará a polícia local a prender os agressores e, uma vez na prisão, não serão alimentados, deixando-os morrer de fome!
Na Índia um grupo de profissionais de saúde foi perseguido por uma multidão que atirava pedras. No Paquistão, uma enfermeira e seus filhos foram despejados do prédio onde moravam. Outros relataram ataques físicos ou ameaça de violência sexual pelo fato de tratarem pacientes contaminados.
Aqui no Brasil, mesmo com as merecidas palmas nas varandas, as ameaças contra profissionais de saúde já começaram também, com eventos relatados em São Paulo e no Distrito Federal. Outro grupo de profissionais, os jornalistas, passam a ser também alvo de ameaças à sua integridade física, na medida que uma parte pequena, porém ruidosa e covarde de pessoas, passam a acreditar que eles estão contra um determinado caminho, diferente de suas ideologias totalitárias. A tendência é que os ataques aumentem lamentavelmente, caso os órgãos de controle e repressão da violência não se posicionem rapidamente a respeito.
É evidente que a minha torcida e o meu sentimento é para um mundo melhor, mas a razão não cansou de me trazer exemplos na história mais recente da humanidade, de que antes não foi assim. Mas, como comecei este artigo, reforço mais uma vez que ninguém sabe o que acontecerá, incluindo eu, claro.
São momentos como este que errar uma previsão será motivo de comemoração, junto com a família e amigos, matando a saudade que há muito me incomoda.